O autor usa boa parte das páginas de seu livro para construir a imagem de analista qualificado e simpatizante do biografado (o livro é uma biografia filosófica, ou literária, já que se atém mais às obras e posturas políticas do biografado do que à sua vida pessoal), para depois atacar seu verdadeiro alvo, seu verdadeiro inimigo: o pensamento revolucionário – vejam bem, afirmo que Lévy não ataca apenas os abusos, assassinatos e ditaduras perpetrados em nome da revolução, ataca sim a própria idéia de pensamento revolucionário, de devir revolucionário.
Aos poucos, o caráter reacionário do autor ganha corpo e percebemos o quanto o assusta e enoja o pensamento para o outro, a ação pelo outro. Qualquer práxis e teoria que fujam do individualismo quase niilista por ele atribuído ao primeiro Sartre é território inimigo. Suas investidas não se dão apenas contra o segundo Sartre, de Crítica da Razão Dialética, o autor marxista e engajado, mas contra o pensar revolucionário em si e contra os pensadores da revolução. No ataque a Deleuze, por exemplo, fica claro que Bernard-Henri Lévy entrou em uma guerra na qual está disposto a usar qualquer arma que julgue eficaz, até mesmo a distorção deliberada: “Pode-se gostar de uma filosofia capaz de nos dizer que os avatares de um carrapato à espreita podem ter mais sentido e importância do que o sofrimento de um kosovar ou de um checheno?” (Lévy, op. cit., p. 228).
Será que o autor é tão burro assim, pra interpretar o pensamento deleuziano dessa forma brutalmente rasa e distorcida ou é um ato de má-fé? Pela qualidade de outras passagens e análises de seu livro, duvido de sua burrice. Como pôde dizer tais palavras a respeito de um filósofo que sempre defendeu a liberdade, a multiplicidade, o respeito à alteridade, um homem que combateu todos os tipos de fascismos, que amava a vida e acreditava no ato de tocar o real, incentivando a práxis libertária que cria jurisprudências ao agir sobre a realidade contra as injustiças. Como pôde fazer um julgamento tão leviano a respeito de alguém que lutava tanto pela liberdade humana, que sabia que o primeiro passo para conquistá-la está na decisão de travarmos uma guerra de guerrilhas dentro de nós mesmos, pois como possuímos subjetividades polifônicas, plurais, estamos o tempo todo sendo invadidos por forças externas: “O inconsciente é uma substância a ser fabricada, a fazer circular, um espaço social e político a ser conquistado” (Deleuze e Parnet, 1998: 94). Deleuze acreditava nas pequenas ações, acreditava na capacidade do homem de lutar pelo mundo:
“Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.” (1992: 218)
O combate de Deleuze pela liberdade é tão vital, tão radical, que defende o desapego a qualquer forma de poder. Ele era um revolucionário, um verdadeiro revolucionário que sabia que “o sucesso de uma revolução só reside nela mesma, precisamente nas vibrações, nos enlaces, nas aberturas que deu aos homens no momento em que se fazia” (Deleuze e Guattari, 1992: 229). Deleuze era contra qualquer Estado totalitário, contra qualquer possibilidade de despotismo e sabia que o pensamento revolucionário é renovado a cada dia, ao se questionar o presente, e nasce do descontentamento, do inconformismo com qualquer tipo de injustiça, da criatividade e depende da liberdade de ação e pensamento. Vemos, portanto, que o pensamento de Deleuze nada tem a ver com a caricatura que o autor d’O Século de Sartre fez. Assim sendo, a seguir, tentaremos descobrir qual é o pensamento de Bernard-Henri Lévy.
(continua...)
Será que o autor é tão burro assim, pra interpretar o pensamento deleuziano dessa forma brutalmente rasa e distorcida ou é um ato de má-fé? Pela qualidade de outras passagens e análises de seu livro, duvido de sua burrice. Como pôde dizer tais palavras a respeito de um filósofo que sempre defendeu a liberdade, a multiplicidade, o respeito à alteridade, um homem que combateu todos os tipos de fascismos, que amava a vida e acreditava no ato de tocar o real, incentivando a práxis libertária que cria jurisprudências ao agir sobre a realidade contra as injustiças. Como pôde fazer um julgamento tão leviano a respeito de alguém que lutava tanto pela liberdade humana, que sabia que o primeiro passo para conquistá-la está na decisão de travarmos uma guerra de guerrilhas dentro de nós mesmos, pois como possuímos subjetividades polifônicas, plurais, estamos o tempo todo sendo invadidos por forças externas: “O inconsciente é uma substância a ser fabricada, a fazer circular, um espaço social e político a ser conquistado” (Deleuze e Parnet, 1998: 94). Deleuze acreditava nas pequenas ações, acreditava na capacidade do homem de lutar pelo mundo:
“Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.” (1992: 218)
O combate de Deleuze pela liberdade é tão vital, tão radical, que defende o desapego a qualquer forma de poder. Ele era um revolucionário, um verdadeiro revolucionário que sabia que “o sucesso de uma revolução só reside nela mesma, precisamente nas vibrações, nos enlaces, nas aberturas que deu aos homens no momento em que se fazia” (Deleuze e Guattari, 1992: 229). Deleuze era contra qualquer Estado totalitário, contra qualquer possibilidade de despotismo e sabia que o pensamento revolucionário é renovado a cada dia, ao se questionar o presente, e nasce do descontentamento, do inconformismo com qualquer tipo de injustiça, da criatividade e depende da liberdade de ação e pensamento. Vemos, portanto, que o pensamento de Deleuze nada tem a ver com a caricatura que o autor d’O Século de Sartre fez. Assim sendo, a seguir, tentaremos descobrir qual é o pensamento de Bernard-Henri Lévy.
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DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é a filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998.
LÉVY, Bernard-Henri. O Século de Sartre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Um comentário:
Agora fiquei ainda mais curioso. As discussões de Sartre-Deleuze vem de longa data, embora os dois participaram juntos em diversos eventos, confluindo nos atos.
Não sei via que arma o Lévy atirou, mas em Sartre é recorrente a correspondência de uma teoria filosófica com as opções sociais, tendo sempre como padrão de julgamento a lente do humanismo. Vai ver é por ser anti-humanista que os carrapatos de Deleuze não agradaram a algum humanismo sartreano de Lévy.
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