sexta-feira, julho 19, 2013

O Leblon acordou de ressaca e assustado


                                                   
No meio de todo esse cenário de conflito, sempre tenho pena do ser humano por trás do comerciante que tem sua loja depredada em um protesto. Mesmo supondo que, se tratando de um dono de loja no bairro mais caro do país, tenha seguro e que no final da história seus problemas não serão tão difíceis de serem resolvidos, fico com pena do cara se sentindo invadido, agredido sem entender o porquê. 

E o Leblon acordou assim, se sentindo estranho, de ressaca e meio assustado. A grande mídia disse que os moradores do bairro estavam se sentindo inseguros. Na internet, moradores de outras áreas da cidade responderam “bem vindos ao Rio de Janeiro”. 

E todo esse choque causado pelas bombas de gás e balas de borracha do Choque e pelo temido e tão comentado midiaticamente vandalismo é compreensível. Afinal, até há pouco mais de um mês estava tudo tranquilo e confortável... pros moradores do Leblon, é claro. Fora da utopia consumista que é a Zona Sul, as coisas nunca estiveram muito bem na cidade. Mas no fim, sempre tinha carnaval, novela, futebol e cerveja pra esquecer isso tudo.

Mas parece que, na verdade, nada estava sendo esquecido, tudo só era repetidamente soterrado pelo peso do cotidiano. O descontentamento e a sensação de vazio já existiam, mas eram sempre reprimidos. E reprimir os impulsos nunca funciona de forma definitiva, por isso gastamos muita energia psíquica para manter no inconsciente aquilo que não queremos que venha à superfície de nossa consciência. Pois, para alguns frankfurtianos (que deveriam ser lidos por cada manifestante), a indústria cultural cumpre esse papel interminável, sempre renovado, de reforçar o bloqueio da tomada de consciência da dominação de poucos sobre muitos, ao funcionar como válvula de escape.
Mas algo aconteceu, algo que não entendemos perfeitamente ainda por estarmos no meio dos próprios acontecimentos. E o fato é que esse algo fez explodir todos os descontentamentos até então sufocados. As pessoas estão nas ruas erguendo faixas, cantando, fugindo da polícia, quebrando a portaria da representante máxima da indústria cultural no país e depredando a loja do comerciante do qual falei no primeiro parágrafo. 

As coisas estão confusas pra todo mundo: governo, manifestantes, policiais e comentaristas de forma geral. E existem diferentes medos circulando por esse ar cheio de gás lacrimogênio: o medo do comerciante de ter sua loja depredada; o medo do dono de bar de ver seus clientes saírem sem pagar após a polícia jogar bombas dentro do estabelecimento; o medo do manifestante de ficar cego devido a um tiro bala de borracha; o medo da mídia alternativa do abuso de autoridade do policial; o medo da grande mídia de ser expulsa pelos que protestam; o medo do povo em relação à volta dos neoliberais ao poder e o medo, que deveria ser de todos, dessa nostalgia que alguns parecem sentir em relação a uma ditadura militar que, além de torturar e matar, multiplicou a desigualdade econômica e afundou o país em uma enorme dívida.

Mas em meio a tanto medo, tem também motivos para esperança. Ver de perto uma nova geração nas ruas, mesmo que ainda meio perdida e confusa, mas tateando caminhos cheia de boas intenções, é um sopro de ar fresco. Ver frases de Bakunin, Marx e Hakim Bey caoticamente misturadas sendo compartilhadas no facebook por garotos que há pouco eram vistos por toda a sociedade como alienados e consumistas, é algo alentador. E mesmo que agora no início poucos tenham lido mais do que frases desencontradas e fragmentos contraditórios, isso aponta uma direção que parecia inimaginável. E lembrando daquele personagem citado por Zizek que de tanto fingir ser comunista para irritar os amigos ricos da esposa, um dia acabou virando um de verdade, me pergunto quem sabe o futuro desses jovens manifestantes? 


Ver alguns deles entrando na loja para colocar manequins nas ruas como se fossem espantalhos de manifestantes e queimar roupas no lugar de roubá-las não deixa de ter uma carga poética. Mais uma vez reforço que sou contra o ataque a lojas e afins, mas uma vez que tenha acontecido, foi interessante ver que não resultou no roubo – o que seria um reforço da lógica fetichista em torno das mercadorias – mas sim em uma demonstração de desprezo àqueles símbolos de status. Aí está a poesia, todos os valores babacas que fizeram o Leblon se tornar o que se tornou em termos de especulação imobiliária naquela noite para aquelas pessoas valiam menos do que nada. O tal trem da história parece estar aceleradamente passando por cima de coisas que eram julgadas tão sólidas e agora desmancham no ar...  









obs: As fotos que ilustram esse post foram feitas por mim na manifestação do dia 30 de junho. 
fotos.trpo@gmail.com