segunda-feira, maio 07, 2007

Almas cansadas e códigos de barras


Quantas famílias sem terra custa a tonelada da soja? Quantas peles queimadas, mãos feridas e almas cansadas são necessárias para encher de álcool os tanques de alguns poucos carros? E qual a relação entre gotas de sangue e litros de gasolina nas bombas de nossos postos?

Nosso conforto custa caro.

Quantas infâncias chinesas são pisadas para que uma remessa de tênis importados chegue às nossas lojas? Quanta tristeza é preciso abrigar os olhares de garotas operárias vietnamitas para que as crianças do ocidente ganhem brindes plásticos quando comem um hambúrguer? Quantos olhos africanos precisam ser fechados pela Aids para que ganância da indústria farmacêutica seja saciada?

Quanta dor alheia vale nossa alienação?

Os preços de nossos produtos são muito mais altos do que indicam os códigos de barras. Não é preciso agir para se tornar assassino, basta o silêncio.

9 comentários:

Pedro Sangirardi disse...

Nosso momento histórico é exaltado como um tempo de multiplicidades, de uma gama ilimitada de opções de vida... embora seja inegável a complexidade crescente do mundo e das formas de racionalidade disponíveis para se pensar essa complexidade, a minha humilde impressão é de que daqui a alguns séculos esse período em que vivemos será lembrado como um tempo de pensamento monolítico, de uma única verdade que suplanta qualquer outra corrente (tanto de pensamento quanto de ação). Me parece que qualquer maneira de pensar e agir sobre o mundo, que não acompanhe os princípios de acumulação/materialismo hedonista estará restrita às salas vazias das faculdades, às páginas dos romances ou à mente tresloucada de gente como nós. Creio que no futuro nossa sociedade será lembrada como fundamentalista. Lembro que o governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, o maior produtor de soja do país, foi o político que teve a maior cota de participação no segundo mandato de Lula; que Gerdau e Ermírio de Moraes foram sondados para integrar o ministério. O que quero dizer com isso é que a política há muito já não conta com qualquer componente ideológico. O poder financeiro ganhou a política, e consequentemente o mundo. O mérito no mundo de hoje é associado diretamente à capacidade de acumular capital, para ser aplicado na multiplicação de mais capital. Não há espaço para ética nesse sistema; ela é vista como um dinossauro dos loosers, como um entrave para a felicidade. O preço disso, que vc explicitou em seu texto, já não parece tocar nenhum coração ou mente. O entusiasmo do sucesso, das capas de "Forbes" e "Você S/A" ocupam um "espaço emocional" significativamente maior do que crianças africanas morrendo de aids ou crianças chinesas escravizadas. Entramos na universidade buscando uma ilha dentro desse sistema, e encontramos os mesmos vícios horríveis de fora, a fraqueza das máquinas de poder avariadas que dominaram até o nobre espaço do pensamento. Parabéns pelo texto e pela coragem. Um forte abraço.

Anônimo disse...

Enxuto. Contundente!

Beijo

Anônimo disse...

Bah, vc disse muito bem e bem sinteticamente um tipo de coisa q estou me batendo faz tempo: mostrar como temos parte em tudo o que vemos e achamos deplorável por aí...

Anônimo disse...

Tá certo. Tá mesmo.
E é um paradoxo, pois com modernização no campo e nas indústrias muitos desses problemas se acabam, aí você, eu e mais outros escreveremos sobre outros problemas.
Um abração

Anônimo disse...

Muito, muito, muito bom este post! Parabéns.

Segundo um autor da psicologia "Nem a felicidade nem a sobrevivencia do grupo dependem da satisfação derivada de ter coisas".

Para pensar...

um abraço

THORPO disse...

Pedro,
teus comentários sempre complementam meus posts e este blog acaba sendo uma ação conjunta. É sempre bom saber que nossos escritos irão receber um leitura atenta e inteligente. Te agradeço, meu amigo!

Catatau,
a idéia era justamente alcançar essa síntese. Causar um impacto em poucas palavras. Mais uma vez vemos a sintonia entre nossos blogs. Agradeço pelo link para este texto que vc colocou no teu blog.

Junior,
na realidade os problemas têm continuado independentemente das conquistas tecnológicas. A tecnologia não tem, em geral, servido ao bem estar social, mas aos interesses do capital, que está, por sua vez, concentrado nas mãos de uma pequena minoria sedenta por mais e mais lucros. Todo avanço técnico no plantio e colheita da soja criou essas safras recordes que acompanhamos na mídia, mas os beneficiados são poucos em relação à quantidade de dinheiro movimentada. Justamente estes grandes proprietários de terra, com a tecnologia à disposição, tornam o pequeno produtor inviável. Já quanto à gasolina, à indústria dos calçados alimentada pela mão de obra semi-escrava de crianças do terceiro mundo e à ganância da indústria farmacêutica, devemos concordar que a “modernização no campo e nas indústrias” não diminuiu em nada os males inerentes a essas atividades.

Maga,
espero que venha mais vezes ao blog. Obrigado pelo comentário. Concordo com a citação que vc trouxe.

Filipe M. Vasconcelos disse...

Rapaz.. ótimo post.. de verdade.
Essa frase então "Não é preciso agir para se tornar assassino, basta o silêncio" é perfeita.
Parabéns.

Larissa Marques - LM@rq disse...

Li você no bar e me interssou sua escrita, naõ me arrependi deter vindo ler-te aqui. Muito bom seu estilo.
Beijo.

medusa que costura insanidades disse...

"nosso conforto custa caro"
e nosso desconforto de ter que lidar com tudo isso custa quanto???
ótimo blog,ricas reflexões...
rita