sábado, novembro 11, 2006

Apenas mais um dia nesta terra estranha




Na rua, uma velha, um mendigo, um tiro, um berro, um choro, um sorriso. Ou:

- Dá um real vó...

- Não sou sua avó, seu porco, seu nojento...

- Vai se foder ô velha! Por que você ta me xingando? E só pedi a porra do dinheiro!

...Um tiro...

Haaaaaaaaaaaaaaaaaa - um grito.

- Isso é pra você aprender a não importunar as pessoas de bem, seu bandido desgraçado! Seu lixo!

- Hei, aquele cara atirou na velhinha! Deve ser assalto...

- Não. Foi a senhora que atirou na mão do mendigo. Acho até que mirou na cabeça, mas ele pôs a mão na frente...

- Foi tentativa de assalto, só pode! É bom pra esses putos aprenderem a nos deixar em paz.

- Mas o cara só pediu dinheiro e a velha deu um tiro nele!

- Merda nenhuma. Só pode ter sido assalto.

- Vamos, se todas sairmos juntas e ficarmos em volta da igreja eles terão que parar de atirar!

- Mas mamãe, a senhora está muito cansada, fique aqui dentro.

- Quieta menina! Vamos, todas unidas. Eles não irão atirar.

- Concordo! A imprensa está aqui. Eles não poderão atirar em mulheres desarmadas.

- Não se afastem umas das outras. Deixem que vejam nossas mãos. Que fique claro que não temos armas!

- Vamos, vamos. Já estão todas saindo...

- Vamos...

- Alá seja louvado!

- Alá nos proteja!

...

- Mamãe, eles não estão atirando mais. Olhe lá, os soldados israelenses pararam de atirar.

- Alá seja louvado!

- Todas juntas, continuem andando. Somos a esperança dos homens que estão dentro da igreja.

- Alá! Alá é grande!

...Tum... Tum... Tum-Tum-Tum-Tum-Tum-Tum-Tum-Tum...

- Estão atirando em nós!

- Acertaram duas! Lá no chão, quem são as duas caídas?! Alá! Oh Alá! Alá! Protejo-nos Alá!

- O sangue... o sangue.

- Mataram, eles as mataram.

- Corram.

- Oh Alá... O que eles fizeram? Somos apenas mulheres... Oh Alá...

- Cadê a outra garrafa de uísque? Você quer, por acaso, deixar minhas convidadas de garganta seca?

- Claro que não. Já vou buscar doutor. É que aquela morena mais magrinha estava chorando e eu estava tentando acalmá-la...

- Traga a garrafa de uísque e mande esta moreninha vir até aqui.

(...)

- Qual a sua graça filha?

- ...

- Pode falar, ninguém vai fazer nenhuma maldade com você e com suas amigas. Qual o seu nome?

- Adriana.

- Que nome bonito. Quer um gole de uísque?

- ...

- Beba, vai se sentir melhor depois que beber um pouco.

(...)

- Adriana, tire a blusa...

- Já disse para tirar a roupa sua piranha! Toma pra aprender a me obedecer sua vagabundinha!

(...)

- Doutor, calma, vai matar a menina deste jeito! É só uma criança, já chega doutor! Pare de bater na menina, por favor...

(...)

- Feche a porta e saia daqui, só volte quando eu mandar! Ah... mais uma coisinha. Se me interromper mais uma vez, juro que tiro seus filhos do colégio particular e demito você e sua esposa... Agora vá! Se ligarem pro meu gabinete diga que estou em uma reunião muito importante!

4 comentários:

Anônimo disse...

Mais um dia tranqüilo nessa cidade...


Bia

Pedro Sangirardi disse...

Muito bom, me parece q vc aplicou aquele recurso estilístico que me descreveu na ECO, do discurso ir passando de pessoa para pessoa. Idéia interessantíssima.

Abraços!

Anônimo disse...

Fortíssimos!
O último me remeteu a Nelson Rodrigues!

Anônimo disse...

Muito bons estes short cuts!!!