Duas ou três horas? Não sei há quanto estamos aqui nessa mesa engordurada, bebendo essas cervejas geladas nessa noite abafada... Quando cheguei, ainda tava claro; não tenho relógio e não vou tirar o celular do bolso pra ver as horas, aliás, qual o motivo de estar pensando no tempo? Ela chegou, perguntou se não tinha cadeira e um amigo levantou e pegou uma numa mesa próxima, mas quando ele foi ao banheiro ela tomou a cadeira na qual ele estava e se sentou ao meu lado. Reclamava da faculdade, dos professores, dos idiotas dos colegas, da mãe que não a deixava em paz, do namorado que não queria fazer ménage, de que já estava ficando sem cigarros e volta e meia, entre uma reclamação e outra, colocava a mão esquerda na minha coxa direita e falava alguma besteira e sorria. Tinha uma bunda grande e bonita, um rosto mais ou menos e uma barriguinha a mais do que devia ter... Reclamava, reclamava, colocava a mão e sorria.... Ah, também pedia cigarros, eu não fumo cigarro, pedia pros outros, pra qualquer um, pra todos. Ela parecia nunca ter cigarros, mas sempre querer fumar. Foi ao banheiro, que merda ser mulher e ter que ir ao banheiro de um pé sujo como esse, imundo, fedido, com a porta sem tranca... Quando voltou, ficou em pé atrás de mim com as mãos nos meus ombros fazendo uma massagem chata e repetitiva. Chega um sujeitinho meio gordo, de cabelo raspado, que vive fazendo barulho por causa de políticas estudantis: “vote na chapa dois” ou “vote na chapa um”, sei lá. Senta-se no lugar vago, ao meu lado. Ela pára com a massagem nos meus ombros:
- Porra, esse é meu lugar, Tavinho. Pegue outra cadeira pra você. – ele sorri, sem graça, se desculpando, levanta, pega outra cadeira e a coloca grudada na dela. Fica, então, falando das eleições do C.A. do curso de comunicação, dos artigos que escreve sei lá pra onde... Figurinha bizarra, a cada afirmação olha pra garota e tenta descobrir se ela o aprova. Ele quer que sua chapa seja eleita, provavelmente no futuro será vereador, deputado ou tesoureiro de algum partido tão bizarro e mesquinho quanto ele. Me conhece, pelo jeito, pois tenta puxar assunto falando sobre os rumos da esquerda e coisa e tal. Sorrio sem vontade, ao menos acho que sorrio, mas não respondo. Então, desiste de falar comigo e passa a falar alto, pra todos na mesa, sempre sorrindo e buscando a aprovação da garota. Só que ela ta com a mão na minha perna e submersa em pensamentos chatos e ainda murmurando coisas sobre a mãe ou o namorado. Não ouço nenhum dos dois, bebo lentamente minha cerveja, jogo um pouco de sal na mão e lambo... Vou mijar e, quando volto, um amigo está gritando, ameaçando o futuro vereador ou tesoureiro. Briga de bêbado é sempre chata. Ainda quero beber mais, então nada de briga. Entro no meio, peço pro meu amigo se sentar e empurro o outro fulano fazendo-o se sentar. Ele olha pra mim e grita:
- Hei, camarada, não precisava empurrar!
- É, não precisava. – bebo minha cerveja e a garota novamente enche meu copo e dá um gole antes de devolvê-lo. Meu amigo ainda quer briga. Eu não. Quero beber. Então falo:
- Cara, deixa quieto, vamos beber.
- Mas esse Tavinho é muito chato, chega aqui na mesa e quer monopolizar a conversa...
- Deixa ele, vamos beber – olho pro tal Tavinho e proponho:
- Você não vai mais monopolizar as conversas, não é? Você quer só beber numa boa...
- Claro, quero beber e conversar, teu amiguinho que é muito esquentado. - meu “amiguinho esquentado” quase se levanta novamente, mas meu irmão ta lá ao lado e pede pra ele ficar tranqüilo. O garçom velho e cansado traz batatas fritas e lingüiça calabresa com cebolas, todos comem, alguns se levantam, fingem fazer contas e jogam alguma quantidade de dinheiro na mesa, se despedem, beijos, apertos de mãos, tapinhas nas costas. Ficamos no bar, eu, meu irmão, dois amigos, o vereador/tesoureiro e ela. Kafka, jazigos perpétuos, a loirinha de piercing que faz publicidade e cheira muito pó, a morena que já chupou a todos, as FARC, povoam nossas conversas. O bar vai fechar, pagamos a conta, vamos pro boteco menor que ainda está aberto do outro lado da rua. Mais cerveja. Ela pede cigarro, ninguém mais tem, Tavinho se levanta pra ir comprar na padaria ao lado, volta sorrindo e enquanto a garota fuma, fica debruçado sobre ela, falando palavras moles. Ela me olha pedindo socorro. Sorrio, na verdade não devo ter sorrido, acho que to muito desanimado pra sorrir, e continuo conversando com meu irmão. Ela se vira pra mim e dá as costas ao tesoureiro, pega meu copo e bebe, depois coloca mais cerveja. Falo uma ou duas coisas, besteiras sem importância, pros meus amigos e pro meu irmão e de repente o fulaninho se levanta gritando:
- Prepotente! Você é um prepotente do caralho. – ai, que saco, lá vai ele arrumar briga com meu amigo, dessa vez vou deixar rolar, não tenho mais energia pra separar. Mas aí vejo que ta todo mundo olhando pra mim... Então eu sou o tal “prepotente do caralho”. É, deve ser isso:
- Que disse? – quando perguntei, ele parou um instante, olhou pra mim e depois pra garota e pros meus amigos e me apontou o dedo:
- Prepotente! Acha que é quem? – gritou, meio esganiçado e cuspindo involuntariamente... É estranho como essas coisas acontecem, não é? De um segundo pro outro nossas veias saltam, sentimos o rosto queimar e o suor escorrer e estamos prontos para saltar sobre alguém e lhe arrancar dentes, ou até fazer pior que isso. Quando percebi, o estava segurando pelo pescoço, torcendo para que tentasse me dar um soco, mas no mesmo instante meu irmão me puxou e os dois amigos se colocaram entre nós. Sentei e bebi meio copo de cerveja, enquanto isso meu irmão tentava convencer o infeliz a ir embora, mas ele devia achar que seria humilhação demais sair agora, mesmo estando assim tremendo como estava; o homem é bicho engraçado e por vezes o medo de ser humilhado é maior que o medo de um traumatismo craniano... Vinte minutos depois ele dizia para bebermos mais que seria por conta dele, que homens como nós não deveriam nunca agir assim, que estava arrependido e que isso era coisa da bebida... Bebemos por mais uma hora, uma hora e meia, não sei. Ele falava e sorria e falava e nem mais tremia, eu o olhava nos olhos, ele desviava o olhar, pedia mais uma cerveja, acendia mais um cigarro... Me levantei, puxei a garota pelo braço:
- Vamos lá pra casa. – quando me ouviu, ela sorriu e me abraçou, a afastei de leve e a segurei pela cintura e fomos andando, ela ao meu lado e eu com a mão em sua grande e bela bunda. Eu nem tava afim da garota, mas a fodi a noite inteira... Sei lá, vai ver sou mesmo um “prepotente”... O homem é um bicho engraçado...
3 comentários:
Essa narrativa prende pelo comum e pelo inusitado. Uma delícia de texto, a gente lê e quer mais e se envolve sem querer. Não sei se é ficção ou não, mas é uma descriçaõ perfeita de cenas que acontecem sempre nessas mesas de bar copo sujo. Thorpo, gostei muito.O homem é um bicho muito emgraçado...
Obrigado, Adriana.
Comum e inusitado, real e ficção entrelaçados, é exatamente essa a intenção. É sempre bom receber tuas leituras e comentários aqui.
Bom texto mesmo. Acabo concordando com o comentário primeiro. Mas sei lá, acho que isso é uma característica da crônica. Mas você soube tornar a história interessante suficiente para eu não largar a leitura no meio e senti curiosidade de ler outros textos do blog.
Bares. Populares e requintados. Sobre o mesmo tema li semana passado esse texto:
http://palavrasdomudinho.blogspot.com/2011/02/chapter-5-change.html
Acho interessante as analogias possíveis.
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