Será que o autor é tão burro assim, pra interpretar o pensamento deleuziano dessa forma brutalmente rasa e distorcida ou é um ato de má-fé? Pela qualidade de outras passagens e análises de seu livro, duvido de sua burrice. Como pôde dizer tais palavras a respeito de um filósofo que sempre defendeu a liberdade, a multiplicidade, o respeito à alteridade, um homem que combateu todos os tipos de fascismos, que amava a vida e acreditava no ato de tocar o real, incentivando a práxis libertária que cria jurisprudências ao agir sobre a realidade contra as injustiças. Como pôde fazer um julgamento tão leviano a respeito de alguém que lutava tanto pela liberdade humana, que sabia que o primeiro passo para conquistá-la está na decisão de travarmos uma guerra de guerrilhas dentro de nós mesmos, pois como possuímos subjetividades polifônicas, plurais, estamos o tempo todo sendo invadidos por forças externas: “O inconsciente é uma substância a ser fabricada, a fazer circular, um espaço social e político a ser conquistado” (Deleuze e Parnet, 1998: 94). Deleuze acreditava nas pequenas ações, acreditava na capacidade do homem de lutar pelo mundo:
“Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.” (1992: 218)
O combate de Deleuze pela liberdade é tão vital, tão radical, que defende o desapego a qualquer forma de poder. Ele era um revolucionário, um verdadeiro revolucionário que sabia que “o sucesso de uma revolução só reside nela mesma, precisamente nas vibrações, nos enlaces, nas aberturas que deu aos homens no momento em que se fazia” (Deleuze e Guattari, 1992: 229). Deleuze era contra qualquer Estado totalitário, contra qualquer possibilidade de despotismo e sabia que o pensamento revolucionário é renovado a cada dia, ao se questionar o presente, e nasce do descontentamento, do inconformismo com qualquer tipo de injustiça, da criatividade e depende da liberdade de ação e pensamento. Vemos, portanto, que o pensamento de Deleuze nada tem a ver com a caricatura que o autor d’O Século de Sartre fez. Assim sendo, a seguir, tentaremos descobrir qual é o pensamento de Bernard-Henri Lévy.
(continua...)
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é a filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998.
LÉVY, Bernard-Henri. O Século de Sartre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.