O livro “A arte de escrever” é composto por ensaios que tratam da escrita e foram retirados da obra original “Parerga und Paralipomena” (1851) do filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Ao todo, são cinco capítulos escritos com vigor e agressividade: Sobre a erudição e os eruditos, Pensar por si mesmo, Sobre a escrita e o estilo, Sobre a leitura e os livros e Sobre a linguagem e as palavras.
Com desprezo e raiva, o autor denuncia a decadência cultural da Alemanha e da Europa: acusa a crítica literária de colaborar com editoras e autores que só querem tirar dinheiro do público; ataca os filósofos que adotam propositalmente um estilo de escrita complexo ao exagero para que seus textos pareçam ter mais conteúdo do que realmente têm; torna público seu desprezo pelos eruditos que passam a vida a ler, sem serem, entretanto, capazes de formular um pensamento próprio; compara o especialista, o técnico, o cientista, com o pensador que por meio de seus estudos busca a verdade - e não o dinheiro ou o status social. Pelos temas, podemos perceber a atualidade destas páginas escritas na metade do século IXX.
Enquanto lia “A arte de escrever”, fiquei tentando imaginar o que Schopenhauer pensaria do mundo contemporâneo: dos livros de auto-ajuda; de nossas cretinas listas de best-sellers; da perda acelerada do gosto pela leitura, que cada vez mais é substituída pela televisão e outras mídias de massa, em nossa sociedade; da educação técnica e voltada ao mercado; do culto às celebridades midiáticas; da ditadura da indústria cultural. Entretanto, constatei que a verdadeira questão é se estamos construindo um mundo que em breve não mais será capaz de criar novos Schopenhauers, Espinosas, Deleuzes, Foucaults, Sartres ou Nietzsches. Futuramente, serão abortados os nascimentos de novos verdadeiros pensadores devido à total falta de condições de possibilidades para que tais existências sejam cultivadas?
A velocidade vampiriza nossas vidas, o culto ao consumo torna regra o descartável, a mentalidade da objetividade técnica e da eficácia tenta nos convencer de que pensar o pensamento é atividade risível. O que estamos nos tornando? Que caminho estranho é este que escolhemos? Como resistir ao próprio movimento social e histórico sem ser esmagado é o problema a ser enfrentado.
Talvez apenas reste escrever textos e lançá-los ao mar com a esperança de que algum sobrevivente do progresso um dia os tire da garrafa e que, então, dentre tudo o que fomos capazes de produzir, algo cause uma forte ressonância e salvemos uma vida, uma mente. Resta a esperança do contágio – como já disse em outro momento. Encerro este post com a imagem que há muito me marcou: a do pensador sendo um arqueiro, que por meio de seus textos atira idéias ao ar sem saber o peito de quem uma delas poderá um dia atravessar.
“A palavra dos homens é o material mais duradouro. Se um poeta deu corpo à sua sensação passageira com palavras mais apropriadas, aquela sensação vive através de séculos nessas palavras e é despertada novamente em cada leitor receptivo”[1]
[1] Schopenhauer, L&PM, 2006