segunda-feira, outubro 06, 2008

Insônia e suor



Gosto dessas noites quentes. Gosto dessa minha insônia bêbada e exausta, desse suor que nunca seca completamente – o corpo grudando no lençol. Camila, agora tão calma, com a luz do abajur iluminando sua bunda e suas coxas, dorme muda e linda, como era de se esperar. Há bem pouco, gritava, mordia e chupava como se isso fosse tudo o que existia, todo o possível, tudo o que se poderia tirar de uma vida.


Tupã morreu depois de se arrastar por meses, sua coluna foi virando quase que um ponto de interrogação; Rani chorou uma noite toda, vomitou sangue, cagou uma água negra e, de olhos arregalados, deixou de respirar; Wall sumiu, saiu pra nunca mais voltar... e é tão estranho pensar que nunca vou saber o que aconteceu.


Se eu fosse tomar banho, pra tirar esse suor e esse cheiro de buceta e de saliva do meu corpo, eu relaxaria, a insônia acabaria e eu só iria acordar quando a vontade de mijar vencesse o sono. Mas aí, eu desmancharia isso tudo, essa noite quente e pesada, essa bunda e essas coxas morenas iluminadas pela luz fraca e amarelada do abajur que faz tudo parecer irreal.


Tio Arthur, quando vinha pra almoçar nos finais de semana, pedia pra eu prender o Wall no quintal. Cara escroto, na minha casa, comendo a comida que a minha mãe preparava, e ainda mandava o coitado do Wall pra fora. Naquela tarde, bebeu tanto que eu sabia que uma hora ele iria dizer alguma provocação, como sempre, e eu poderia finalmente fazer o que queria. Mas ele estava feliz, tinha ganhado uns reais no jogo do bicho e só falava gentilezas pra minha mãe e contava piadas pro meu pai. Eu assistia a tudo e torcia para que a bebida o levasse a falar qualquer besteira, por pequena que fosse. A tarde acabou e ele pegou as chaves do carro e a carteira que tinha deixado em cima da cristaleira – nenhuma provocação, nenhuma piada de mal gosto... eu o acompanhei até a porta e cuspi no meio daquela testa brilhante: “Você ficou maluco, moleque?”, dei três socos, os dois primeiros na cara, o terceiro no ar porque ele já estava caído. Seu nariz sangrava muito, cada vez mais, e ele gemia e minha mãe gritava, ele gemia, ela gritava... não sei bem o que aconteceu depois, lembro só de tocar o interfone da Patrícia e de que trepei muito naquela noite e acabei dormindo no apartamento dela por cinco dias.


Já está amanhecendo. A luz que entra pela janela estraga tudo e eu nem me sinto mais tão bêbado, o vento leve também vindo da janela invade o quarto e batendo no meu corpo suado me desperta. Todos esses carros, que a essa hora já estão indo e vindo, buzinando, acelerando e freando, todas essas pessoas com pressa, sempre atrasadas, todo esse barulho e movimento lá fora, nas ruas, tudo isso me deixa cansado.


Wall ficava amarrado pelo pescoço, no quintal de casa. Tio Arthur se sentava à mesa, contava piadas e bebia cerveja. Os dois saíram de casa e não voltaram. Um dia, o Wall sumiu e ninguém da vizinhança soube dizer nada que ajudasse a encontrá-lo. Tio Arthur, depois daquela tarde, também não voltou, mas não sumiu, continuou jogando no bicho, bebendo cerveja, mas passou a almoçar na casa de um amigo da sinuca. Morreu com um tiro na cara, um ano depois. Parece que reagiu a um assalto.


Ela murmura ou geme por causa do frio, sua bunda morena está arrepiada, tenta se cobrir, mas puxo o lençol e não deixo. Ela se encolhe toda, mas não acorda... Saber que lá fora existem tantos carros indo e vindo, tantas pessoas apressadas buzinando, tanto barulho e movimento me deixa realmente muito cansado.